Vangelis é um dos mais inventivos tecladistas e compositores do século XX. Suas melodias e arranjos embalaram sucessos pop/românticos no fim dos anos 60, discos icônicos de progressivo eletrônico na década de 70 e trilhas sonoras de filmes marcantes ao longo das décadas. Contudo, um de seus trabalhos destaca-se pela ousadia musical e conceitual – o álbum "666", lançado em 1972, pelo Aphrodite’s Child.
"666" é um álbum conceitual, inspirado no livro bíblico do Apocalipse de São João e lançado em um ambiente conturbado. O Aphrodite’s Child havia alcançado sucesso na França e logo virou uma sensação na Europa. Vangelis, contudo, se cansou rápido do pop açucarado que a banda (formada por ele, Demis Roussos e Silver Koulouris) praticava. No início da década de 70, Vangelis já estava sintonizado com as possibilidades abertas pelo rock progressivo; seu novo trabalho de composição gerou desagrado tanto de Demis Roussos, mais afeito ao pop vocal, quanto da gravadora Mercury Records, interessada em sucesso comercial. "666" foi gravado em um ambiente de tensão e embates, com a banda se desfacelando logo após sua gravação. O próprio lançamento do disco ocorreu após mais de 1 ano de gravado, sob o selo Vertigo, um selo ainda pequeno e especializado em rock progressivo. Ainda que não tenha sido um estrondo de vendas, o álbum alcançou o status de cultuável pouco tempo após lançado.
Vangelis traz em "666" um conjunto muito original de ideias, sonoridades e arranjos. Em “The Lamb”, temos já algo bastante incomum – acordes ritmados tocados por um bouzouki, uma guitarra acústica tradicional da música grega, sons de gaita de fole e vocalizações, dando um clima épico para a canção. Após as intervenções da gaita, entra Vangelis pontuando a música com notas cheia de tensão no Hohner Clavinet. A interação deste com a sonoridade da bouzouki cria um clima único, que tira o ouvinte do chão. A batida empolgante da canção é acompanhada com muito swing por Vangelis, que, em linhas paralelas, faz bases e solos inspiradíssimas. A partir dos 2 minutos, uma sessão na qual o clavinete entra em maior destaque, acompanhado de uma linha de sintetizador e da bouzouki; os contrapontos são embasbacantes, com espetaculares sequências de notas ascendentes, que se estendem por quase 2 minutos de solo. Vangelis não fez uso muito intensivo do clavinete Hohner ao longo de sua carreira, mas a presença do instrumento em "The Lamb" pode ser destacado com um dos grandes momentos do instrumento em uma gravação. Ouça no link aqui.
Comentarios